Caos, colapso, falência. É nesses termos que gestores e especialistas falam sobre o cenário que se instalaria na educação brasileira se o País perdesse seu principal mecanismo de financiamento, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). O modelo, em vigor desde 2007, foi incluído como dispositivo transitório na Constituição, e deixa de existir no fim de 2020. Seu substituto ou uma eventual prorrogação ainda estão indefinidos.
Segundo uma nota técnica das entidades que representam secretários estaduais e municipais de educação, o fundo corresponde a 63% dos recursos para o financiamento da educação básica pública brasileira. Por meio de seu mecanismo de redistribuição, os Estados transferem cerca de R$ 22 bilhões para o financiamento da educação municipal.
Isso ocorre porque o modelo reúne recursos arrecadados pelos municípios e Estados em um único fundo. Como os Estados arrecadam mais e a redistribuição é feita com base no número de alunos da educação básica pública, as redes municipais acabam “ganhando” recursos. Hoje, no Paraná, essa transferência é de mais de R$ 1 bilhão — perda que seria catastrófica para as prefeituras.
“Se o Fundeb deixar de existir, a educação para”, diz Marli Fernandes da Silva, secretária municipal da área em Apucarana e presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) no Paraná e na Região Sul. “Hoje, no Paraná, já há muitos municípios que mal conseguem cobrir a folha de pagamento de seus professores e servidores. Sem esse recurso, a educação não acontece”, avalia a dirigente, em entrevista à FOLHA.
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Há três principais propostas de emenda constitucional em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de tornar o Fundeb permanente — mudança que já é uma espécie de “consenso” no setor. A mais adiantada já é discutida desde 2015.
Para Marcus Quintanilha da Silva, professor da rede municipal em Curitiba e docente substituto do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o processo está se alongando mais do que o esperado — o que gera preocupação no contexto da “nova agenda” do início do governo.
“Se não caminhar, no limite, é o caos. Porque uma série de municípios com investimento menor vai perder recursos de um dia para o outro”, avalia. “Se não houver um substitutivo ou uma emenda que mantenha sua dinâmica, há uma possibilidade grande de os municípios entrarem em colapso”, diz.
Caio Callegari, coordenador de projetos do Todos Pela Educação, avalia que as discussões sobre o Fundeb estão adiantadas, mas também vê riscos para a continuidade do mecanismo. “É o risco de o Brasil não conseguir chegar a um consenso para um novo modelo até 31 de dezembro de 2020 — daqui a apenas um ano e meio”, diz. Ele explica que, embora a necessidade de um Fundeb permanente seja consensual, há mudanças em discussão para as quais o entendimento será mais difícil.
Uma delas é o aumento da participação da União, que hoje complementa os recursos arrecadados pelo fundo nos municípios e Estados em 10%. O Todos Pela Educação defende uma complementação mínima de 15%, mas fala-se em até 40%. A mudança dependeria de novas fontes orçamentárias.
Também se discute uma novo modelo de distribuição que direcione a maior parte dos recursos para municípios mais pobres. Hoje, todos os municípios de um Estado recebem o mesmo valor por aluno. “[O fim do Fundeb] seria um cenário extremamente prejudicial para a oferta de ensino no Brasil inteiro, com a possibilidade de efetivamente quebrar a educação brasileira”, diz Callegari.
Relator de uma das PECs sobre o tema, o senador Flávio Arns (Rede) avaliou que o Congresso tem prazo suficiente para “fazer um bom trabalho”. O parlamentar disse que Senado e Câmara mantêm conversas para alinhar as propostas e agilizar a tramitação. De acordo com o senador, a recomendação do MEC (Ministério da Educação) é que a emenda seja aprovada até o final deste ano, para que possa ser regulamentada e comece a vigorar em 2021. Ele calcula que a PEC 65/19, da qual é relator, poderia estar aprovada já em outubro — se a PEC da Câmara não chegar antes. “Estamos dentro do prazo para fazer um bom trabalho”, disse o senador à FOLHA. “Ninguém fala em qualquer risco de descontinuidade ou não aprovação. Todos estão conscientes da importância do fundo”, garante.
Em nota, o MEC disse que o Fundeb é uma prioridade para a pasta e que uma das diretrizes da atual gestão é o foco na educação básica, com o aprimoramento do fundo. “Sobre o tema, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15, de 2015. O texto visa tornar o Fundo permanente — hoje ele tem um prazo estabelecido, que vai até o ano que vem”, diz o texto.
NO LIMITE
A União participa do Fundeb com um complemento de 10% do valor do fundo nos Estados e municípios. Em 2019, o valor chega a R$ 14,3 bilhões dos cerca de R$ 156,3 bilhões do Fundeb. O complemento é suficiente apenas para auxiliar nove Estados com poucos recursos a chegar ao valor nacional mínimo por aluno, que é de R$ 3.238,52 em 2019.
O Paraná não recebe a complementação, que é distribuída a partir do Estado que tem o menor valor por aluno, até que se alcance o valor mínimo. O complemento se esgota depois de chegar aos Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Esta lógica distributiva do fundo é o que faz com que municípios destinem mais receitas do que recebem — como ocorre, no Paraná, com Araucária, que destinou mais de R$ 100 milhões em 2018 e recebeu cerca R$ 79 milhões. Já Curitiba e Londrina são as que mais “ganharam”, já que a distribuição é baseada no número de alunos. Segundo um levantamento da AMP (Associação dos Municípios do Paraná) com base em dados do MEC, a capital destinou R$ 313,2 milhões e recebeu R$ 584,4 milhões. Londrina destinou R$ 77 milhões e recebeu R$ 166,3 milhões — ganho de R$ 89,3 milhões.
A depender do aumento do percentual da complementação da União, mais unidades federativas poderiam receber o complemento, diminuindo ou evitando a “perda” de recursos que ocorre quando municípios com maior arrecadação e menor número de alunos recebem menos do que destinam ao fundo.
“A União precisa colocar mais recursos como complementação”, avalia Jacir Machado, consultor da AMP (Associação dos Municípios do Paraná) e membro do Conselho do Fundeb do Paraná. “Os municípios não têm recursos suficientes para atender com qualidade, e já estão no limite. O bolo precisa ser aumentado”, diz.
O presidente do Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, Mario Ferreira de Souza, lembra que quase todo valor do fundo acaba sendo destinado ao salário de professores e funcionários em municípios menores. Segundo o levantamento da AMP, 213 municípios usaram entre 80% e 100% da receita do Fundeb para a folha de pagamento. “A União precisa entrar com mais recursos para evitar que se tire dinheiro de municípios pequenos para encaminhar para cidades maiores”, diz Souza. (Fonte: Folha de Londrina)